Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)⁰, o Brasil vivenciou um ano recorde de desastres hidrológicos e hidrogeológicos em 2023, com mais de mil eventos registrados.
Destes, 716 foram eventos hidrológicos, como inundações e transbordamentos de rios, e 445 de origem geológica, como deslizamentos de terra. Esse número supera os registros de 2022 e 2020, evidenciando um ano marcado por eventos climáticos extremos, com chuvas intensas e inundações em diversas regiões.
Entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), dois se destacam pela relevância direta na temática dos desastres naturais: o ODS 11 e o ODS 13.
O ODS 11, intitulado “Cidades e Comunidades Sustentáveis”, estabelece na meta 11.5 o objetivo de reduzir significativamente, até 2030, o número de mortes e pessoas afetadas por desastres, além de diminuir substancialmente as perdas econômicas diretas causadas por esses eventos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) global. Essa meta específica destaca a importância da proteção dos grupos mais vulneráveis.
Por sua vez, o ODS 13, “Ação contra a Mudança do Clima”, concentra-se em fortalecer a resiliência e a capacidade de adaptação dos países aos riscos relacionados ao clima e desastres naturais (meta 13.1). A meta 13.2 complementa esse objetivo ao buscar integrar medidas contra as mudanças climáticas nas políticas, estratégias e planejamentos nacionais, reconhecendo a influência direta do clima nos desastres.
Nesse contexto, é fundamental implementar diretrizes para o adequado gerenciamento de resíduos e destroços gerados em desastres naturais.
As inundações de 2024 no Rio Grande do Sul se configuram como uma das maiores catástrofes da história do estado, comparável a desastres históricos como o furacão Katrina, que assolou o sul dos Estados Unidos (EUA) em 2005. Segundo um levantamento divulgado pela Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)¹, as enchentes em Porto Alegre (RS) geraram mais de 46,7 milhões de toneladas de resíduos e destroços.
Segundo Leomyr Girondi, CEO da Companhia Rio Grandense de Valorização de Resíduos (CRVR)², a geração de resíduos aumentou em torno de 12% no estado, sendo a região metropolitana e de Porto Alegre a mais atingida pelo acúmulo de resíduos.
Durante o processo de resposta ao desastre natural no Rio Grande do Sul, os municípios precisaram determinar áreas para a disposição e armazenamento temporário dos resíduos, a fim de desobstruir os acessos e facilitar os atendimentos necessários. No entanto, os resíduos acumulados nessas áreas devem ser rapidamente enviados para destinadores licenciados, reduzindo os possíveis impactos ambientais no local em que foram dispostos temporariamente.
Tendo em vista o que ocorreu durante o desastre natural, é importante que o sistema de manejo de resíduos sólidos integre uma rede robusta de soluções para a destinação, abrangendo não apenas locais de disposição, mas também instalações para triagem, reciclagem e tratamentos alternativos. Além disso, é fundamental que as diretrizes para segregação de resíduos sejam comunicadas de maneira clara e sistemática à população, assegurando a correta separação e encaminhamento dos materiais para os processos adequados.
Como exemplo, uma vez segregada, a maior parcela dos resíduos de construção civil pode ser triturada e utilizada como matéria-prima nas construções de novas moradias para a população atingida no desastre, contribuindo para o aprimoramento da circularidade neste processo.
Como resposta ao desastre natural no sul, em maio de 2024, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (FEPAM-RS) lançou o “Plano de gerenciamento dos resíduos sólidos gerados no desastre natural e operação de áreas de armazenamento temporário e disposição final no âmbito dos municípios” ³, que abrange a caracterização dos resíduos, segregação, armazenamento temporário, e disposição final, com foco em minimizar impactos ambientais e sanitários. Inclui recomendações para o manejo de resíduos químicos e orgânicos, controle de acessos, equipamentos necessários, e procedimentos de recebimento e operação das áreas de armazenamento. Além disso, destaca a importância do treinamento das equipes e a comunicação com a FEPAM para garantir a eficiência das ações emergenciais.
Todavia, a experiência adquirida destaca a necessidade de elaborar e aprimorar planos de resposta a desastres naturais em níveis nacional, estadual e municipal, visando a otimização da gestão de resíduos sólidos e destroços, compreendendo os diferentes estágios de recuperação de desastres, com medidas emergenciais e de médio e longo prazo, com foco em:
- Projeção sobre a geração de resíduos: Análise e estimativa da quantidade de resíduos e destroços que podem ser gerados em diferentes cenários de desastre.
- Planejamento de aspectos de limpeza, transporte e coleta: Desenvolvimento de estratégias para a eficiente limpeza, transporte e coleta dos resíduos e destroços, garantindo uma resposta rápida e eficaz.
- Definição de locais de armazenamento intermediário: Identificação e medidas para a preparação de locais para armazenamento temporário e seguro dos resíduos e destroços até seu destino.
- Gestão de resíduos sólidos perigosos e destroços contaminados: Implementação de procedimentos específicos para a gestão segura de resíduos perigosos e contaminados, minimizando riscos à saúde pública e ao meio ambiente.
- Comunicação com a população afetada sobre o correto manuseio e demais etapas: Divulgação de informações claras e precisas à população sobre como manusear adequadamente os resíduos e destroços, e as etapas do processo de gestão.
- Tratamento: Elaboração de projetos e implantação de soluções para o tratamento adequado dos resíduos e destroços, promovendo a sua reutilização, reciclagem e disposição final segura.
Além do conteúdo sugerido, referências internacionais como as Notas Técnicas de recuperação antecipada em contextos de crise imediata e pós-crise, elaboradas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)⁴, e o Guia de Marco de Recuperação de Desastres, elaborado pela Global Facility for Disaster Reduction and Recovery (GFDRR) ⁵, apresentam diretrizes abrangentes e valiosas sobre o tema.
⁰ BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Em 2023, Cemaden registrou maior número de ocorrências de desastres no Brasil. Disponível em: <https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2024/01/em-2023-cemaden-registrou-maior-numero-de-ocorrencias-de-desastres-no-brasil>. Acesso em: 04 jul. 2024.
¹ DEUTSCHE WELLE. Brasil importa resíduos sólidos enquanto luta para reciclar seu próprio lixo. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2024/06/21/brasil-importa-residuos-solidos-enquanto-luta-para-reciclar-seu-proprio-lixo.htm. Acesso em: 04 jul. 2024.
² EXAME. Para onde vai o lixo que foi multiplicado pelas enchentes no Rio Grande do Sul?. Disponível em: https://exame.com/negocios/para-onde-vai-o-lixo-que-foi-multiplicado-pelas-enchentes-no-rio-grande-do-sul/. Acesso em: 04 jul. 2024.
³ Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (FEPAM-RS). Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos Gerados No Desastre Natural e Operação de Áreas de Armazenamento Temporário e Disposição Final no Âmbito dos Municípios. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1hzxgBl1cvcTdvUQMsJUk2DSCKPmuNRT6/view>. Acesso em: 03/07/2024.
⁴Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Nota de orientação sobre o gerenciamento de detritos. Disponível em: <https://www.undp.org/publications/signature-product-guidance-note-debris-management>. Acesso em: 04/07/2024
⁵ Global Facility For Disaster Reduction And Recovery (GFDRR). Guia de Marco de Recuperação de Desastres. Disponível em: <https://documents1.worldbank.org/curated/en/692141603785003050/pdf/Disaster-Recovery-Framework-Guide.pdf>. Acesso em: 04/07/2024.